12 janeiro, 2009

Chico: por trás de um homem triste. (Parte 3)

Na obra de Chico Buarque mesmo quando a mulher é colocada com destaque em cena, ainda assim é ela que se desespera porque seu homem não a quer mais. Em Bastidores ela se dilacera ao vê-lo pelo salão a caçoar de mim e embora seja o grande sucesso da noite, com os homens lá pedindo bis, bêbados e febris a se rasgar por mim e todo o cabaré me aplaudiu de pé, quando cheguei ao fim, ainda assim ela corre apavorada atrás dele, pois confessa: não me troquei, voltei correndo ao nosso lar, voltei pra me certificar que tu nunca mais, vais voltar, vais voltar, vais voltar. Esta fórmula sofre uma visível variação que começa a ser utilizada e repetida por Chico Buarque a partir da admirável Vitrines. Daqui pra frente o homem em inúmeras de suas canções é posicionado como vítima, talvez refletindo uma situação pessoal. Isto acontece de maneira lindamente melancólica ao fazê-lo afirmar que (...) passas em exposição, passas sem ver teu vigia catando a poesia, que entornas no chão. Mas, apesar desta posição de abandonado o homem ainda assim permanece como o guardião da mulher e principalmente, mentor. Antes que ela se perdesse definitivamente por sair de perto dele, ele a advertira: te avisei que a cidade era um vão, na tua mão, não faz assim, não vai lá não. A mulher desobedeceu, portanto, deu no que deu. Tudo isso tem “uma fumaça” sinalizando o possível fogo: contam as línguas pouco seguras e próximas de Chico Buarque que esta música foi feita para sua mulher (hoje, ex-mulher) Marieta Severo, que saia todas as noites para seu trabalho no teatro deixando o Sr. Buarque de Hollanda enlouquecido de ciúmes. Não há provas de que isso seja verdade. Nem que seja mentira.
Em Mulheres de Atenas a interpretação é mais complexa, porque Chico se posiciona de forma dúbia. Tomando os mais explícitos gestos de submissão supostamente praticados pelas mulheres dos guerreiros gregos que (...) quando fustigadas não choram, se ajoelham pedem, imploram, mais duras penas(...) ou então (...)quando eles embarcam soldados, elas tecem longos bordados, mil quarentenas (...) e aconselhando suas ouvintes a mirarem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas, a visão crítica -e cínica- do papel subalterno da mulher fica tão escancarada que só pode ser interpretada como uma enorme e suprema ironia. E assim a música foi considerada por toda a elite intelectual progressista tendo -é claro- à frente as militantes feministas e assemelhados. E se não for ironia ? E se ele disse exatamente o que queria dizer ? Aliás, Chico é mestre no uso da ironia, esta técnica arrasadora de se dizer tudo o que pensa sem assinar uma declaração formal de princípios e credos. Ele é extremamente irônico em Deixe a Menina, quando ao longo de toda a música ele fustiga o acompanhante de uma moça em um baile dizendo que o mesmo (...) está mal, está mal de mais, são três horas, o samba tá quente, deixe a menina com a gente, deixe a menina dançar em paz (...) e se vai ficar enrustido, com esta cara de marido, a moça é capaz de se arrepender numa aparente crítica ao comportamento possessivo do indivíduo. Mais pra frente, na mesma música, ele é implacável: (...) por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz. Se você deduziu que nesta frase lapidar está embutido o conceito de que a mulher só consegue se divertir de maneira poligâmica, insinuante e vulgar, provocando sempre a infelicidade do homem, bingo. O que filosoficamente também está dito é que a mulher fica alheia ao sentimento negativo que provoca nos homens e isenta de qualquer responsabilidade. Em resumo: o homem é emocional e sofre, enquanto a mulher é insensível e se diverte. Algo semelhante, porém enfocado de maneira inteligentemente inversa, ocorre em Acorda Amor em que ele ironicamente aconselha a mulher (...) se eu demorar uns meses, convém às vezes você sofrer, mas depois de um ano eu não vindo, ponha roupa de domingo e pode me esquecer. Parece que um ano é o prazo mínimo que uma mulher abandonada deve esperar sofrendo pela volta de seu homem. Ou seja, se for ela a abandonada, deve permanecer infeliz, fiel e esperançosa, ao menos por um ano. Mais ironia em Samba de um Grande Amor: (...) tinha cá pra mim que agora enfim em conseguira um grande amor, mentira (...) reservei hotel, sarapatel, lua de mel em Salvador, mentira (...) registrando mais uma vez a desilusão do homem diante da mulher, a decepção com o seu comportamento, que o levou a julgar haver encontrado um amor sincero erroneamente. Outra vez a mulher ilude o homem, ferindo seus mais puros sentimentos. Registro esse que se torna contundente ao final da música, pois ele afirma (...) hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito, exijo respeito não sou mais um sonhador, chego a mudar de calçada, quando aparece uma flor e dou risada de um grande amor. Ele sabe muito bem condicionar a ação masculina, em determinadas situações, sempre como a resultante de uma atitude feminina pouco nobre. Tudo isso para que na hora da decisão final, na hora da separação, o homem sempre leve aquela sensação de que foi obrigado a isso ou ainda, que a mulher deixada para trás estará definitivamente arrependida, acabada, perdida para o mundo. Isto fica mais claro em De Todas as Maneiras onde ele confessa De todas as maneiras que há de amar, nos já nos amamos, com todas as palavras feitas pra sangrar, já nos cortamos, porém, em seguida, vem o peso do homem como vítima e ainda o desespero da mulher ao perceber o fim do romance, pois (...) agora já passa da hora, tá lindo lá fora, larga minha mão, solta as unhas do meu coração, que ele está apressado. Tudo isso talvez ainda seja resultado do fim do casamento que já se avistava na janela ou então já estava em plena sala de visitas. Porém a presença do machismo ao longo da obra de Chico Buarque não parece ter sido influenciada apenas ao espelhar situações pessoais. É algo mais constante. Isto passou praticamente imperceptível ao seu público, porque está envolto em melodias de beleza insuperável e faz com que o sofrimento –do homem- venha repleto de lirismo. Na seqüência vocês verão porque.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nunca percebi esse lado escuro da obra de Chico Buarque. Acho que em algumas coisas você exagera, mas na enorme maioria -infelizmente- está certo. Adriana/SP