29 janeiro, 2009

Chico Buarque: resumo dos blocos anteriores

PRIMEIRA PARTE
A moça feia debruçou na janela, pensando que a banda tocava pra ela. A partir desta frase meio cruel escondida na letra de A Banda, Francisco Buarque de Hollanda iniciava um conturbado relacionamento público com o universo feminino, relacionamento este que se revelaria com o tempo, de extrema riqueza e constante aperfeiçoamento. ... A machismo de Chico a que me refiro tem a ver com a minha, a sua mulher. A mulher que passa pelo corredor do shopping sem se ver refletida nas vitrines, que não se ilude quando o filho sai na página policial e que manda o marido à merda quando ele chega em casa com oito amigos pra almoçar. A mulher que na vida real chama a mim e a você de machão. Mas que desmaia quando vê Chico Buarque de Hollanda chegando. Porque a vida, infelizmente, não tem o mesmo encanto que a arte.
SEGUNDA PARTE
A visão da mulher submissa seria assumida plenamente em Cotidiano onde ela aparece de corpo inteiro. Talvez se trate da mulher ainda deste mesmo tipo de trabalhador, o pedreiro, pelos detalhes da sua vida, como a hora de acordar e o almoço, descrito na magnífica letra. Mas pode também ser a mulher de qualquer operário. ... Toda noite ela diz pra eu não me afastar, / meia-noite ela jura eterno amor / e me aperta pra eu quase sufocar / e me beija com a boca de pavor. A submissão aí é clara, sem metáforas. A mulher cumpre todas as suas supostas obrigações domésticas, de companheira e fêmea, motivada explicitamente pelo pavor de que o seu parceiro a deixe.
TERCEIRA PARTE
Na obra de Chico Buarque mesmo quando a mulher é colocada com destaque em cena, ainda assim é ela que se desespera porque seu homem não a quer mais. Em Bastidores ela se dilacera ao vê-lo pelo salão a caçoar de mim e embora seja o grande sucesso da noite, com os homens a se rasgar por mim e todo o cabaré me aplaudiu de pé, quando cheguei ao fim, ainda assim ela corre apavorada atrás dele, pois confessa não me troquei, voltei correndo ao nosso lar, voltei pra me certificar que tu nunca mais, vais voltar, vais voltar, vais voltar. ... Em Mulheres de Atenas a interpretação é mais complexa, porque Chico se posiciona de forma dúbia. Tomando os mais explícitos gestos de submissão supostamente praticados pelas mulheres dos guerreiros gregos que (...) quando fustigadas não choram, se ajoelham pedem, imploram, mais duras penas, ou então quando eles embarcam soldados, elas tecem longos bordados, mil quarentenas e aconselhando suas ouvintes a mirarem-se no exemplo daquelas mulheres, a visão crítica do papel subalterno da mulher fica tão escancarada que só pode ser interpretada como uma suprema ironia. Mas, e se não foi ironia? E se ele disse exatamente o que queria dizer? Não há como saber. QUARTA PARTE

Se entornaste a nossa sorte pelo chão, / se na bagunça do teu coração, / meu sangue errou de veia e se perdeu. Como, se na desordem do armário embutido, /meu paletó enlaça o teu vestido /e o teu sapato ainda pisa no meu. Como, se nos amamos feito dois pagãos, /teus seios ainda estão nas minhas mãos, / me explica com que cara eu vou sair. Não, acho que está te fazendo de tonta, /te dei meus olhos pra tomares conta, /agora conta como hei de partir. A perplexidade masculina diante da mulher que não o quer mais embota tenham feito sexo exaustivamente. Coloca-se também a responsabilidade jogada sobre ela -mais uma vez- por todo o sofrimento masculino. “Ela” entornou a sorte pelo chão, é “dela” a bagunça no coração, responsável pela perda dos mais elevados sentimentos do homem. ... Chico Buarque ao meu ver atinge o máximo de definição desta visão decepcionante, passiva e submissa da mulher numa música praticamente inédita, da qual não conheço qualquer gravação. Seu título é Umas e Outras. ... Até que ponto Chico Buarque de Hollanda, o eterno objeto de desejo das mulheres brasileiras, consegue levar o visível machismo embutido em sua obra? Até onde este machismo reflete uma filosofia própria ou é um grito melódico de socorro pelo casamento que se destroça um pouco mais a cada dia?

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