14 agosto, 2009

Chaplin e Carlitos

A propaganda persegue há décadas a capacidade do cinema de criar personagens ou personalidades definitivas. Embora muito mais presente vida das pessoas que o cinema, em função da frequência e da diversidade da mídia, a propaganda entretanto não consegue “perpetuar” suas criações, perdendo por várias cabeças para os longas.
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Quem consegue lembrar o nome do personagem que durante muito tempo foi garoto-propaganda do guaraná Antarctica ? Somente quem é do ramo -e ainda assim uma minoria- responde em menos de 30 segundos: Teobaldo.
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Divine Brown, que nem apareceu nas telas e o mais próximo que chegou do cinema foi ao pinto de Hugh Grant, é um nome rapidamente identificado e lembrado quando o assunto é Hollywood.
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Para falar a linguagem da propaganda, seus personagens são perecíveis. Enquanto Scarlett O’Hara atravessa décadas na mente de multidões, nem o sotaque e os saiotes escocêses fazem o consumidor lembrar o nome daquele simpático senhor que falava sobre um whisky, qual era mesmo, Passaport ou Ballantinnes ?
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A sequência de exemplos é interminável, desde Mickey até Rambo e Rocky Balboa sem esquecer os óbvios James Bond, Inspetor Clouseau, Dom Vito e toda a Famiglia Corleone; os clássicos Gordo e o Magro, o vagabundo Carlitos, o inesquecível Ricky e seu “play it again, Sam.” E outros, muitos e muitos outros. Nem falar nos seriados, onde a coisa fica ilimitada a partir de Tarzan, Zorro, Sargento Garcia, passando por todos os cowboys até chegar a Fred Flintstone e Barney Rubble e depois Dino da Silva Sauro, já na animação.
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E os heróis da propaganda, onde estão ? Aquele senhor gordo, de barba, que fala do Bamerindus, tem nome ? Até o recordista do Guiness e já idoso apresentador do Bom Bril é um anônimo para o grande público. Em pouco tempo o herói dos comerciais vai para a vala comum dos não identificados.
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Porque isso acontece? Simplesmente porque o herói do cinema interpreta uma personalidade, com a qual nos identificamos ou rejeitamos profundamente. Já o herói da propaganda interpreta um sabão em pó, um sorvete, um carro ou um supermercado. E dificilmente alguém dá a isso mais importância além de verificar se o que está sendo anunciado é verdadeiro e compensador. Por mais simpatia que se tenha por quem está anunciando. Checada a informação e realizada a compra ou não, acabou o comercial e o personagem vai junto. The end.
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Agora, jogando um pouco de sal na ferida: será que o cinema ainda tem esta capacidade de criar personagens imortais ? Quem lembra do nome de algum personagem dos incontáveis filmes de Spielberg, além do E.T. e do soldado Ryan? O olhem que Spielberg é um diretor que foi beber nas fontes murmurantes das agências de propaganda da Madison Ave. Alguém lembra o nome de um personagem de um dos filmes de Woody Allen, que herdou o espólio da ingenuidade de Chaplin, mas não herdou o lirismo e muito menos Carlitos ?
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Para ser mais amplo, quem lembra de algum personagem de algum filme nos últimos 5 anos? Ou, pra radicalizar logo, alguém lembra três dos filmes que concorreram ao Oscar deste ano ?
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Será que o cinema está ficando tão comercial quanto a propaganda ? Claro que sim. Foi a única forma que ele encontrou de enfrentar a televisão e não fechar as portas de todas as salas em todos os países. Mas, longe de significar uma tragédia, isto tem seu lado positivo.
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A renovação do cinema permitiu a abordagem de muitos mais temas, ampliou o leque aventura/drama/terror/comédia infinitamente, permitiu grandes espetáculos e trouxe de volta para a telona um público que ficou muito tempo na poltrona da sala de jantar. O DVD –pirata ou não- tornou-se um forte aliado do cinema e as pessoas assistem cada vez mais filmes.
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Foram-se os anéis mas ficaram os dedos. Se a comunicação se transformou completamente nas duas últimas décadas, tornando-se uma ação tão transitória quanto os fatos, paciência. O mundo está assim mesmo. Você vai guardar este artigo na memória quando terminar de ler? Claro que não.
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Resta aos irmãos Lumiére o orgulho de estarem contemporâneos da Internet. E a nós, a felicidade de conviver com um século das mais diversas emoções.

05 agosto, 2009

Sem Medo de Voar

Não posso abrir este texto de outra forma senão citando Juscelino Kubitscheck, o mais simpático e respeitado ex-presidente que este país já teve. Volto atrás sim. Não tenho compromisso com o erro.
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Por diversos motivos não tenho os filmes nacionais entre as minhas preferências de cinema. Um deles é que os temas do nosso cinema ou são biográficos ou então sempre giram em torno de favelas, presídios, meninos de rua, drogas, prostituição e similares, formando um vasto dejá vu. Isso porque o Brasil não tem escritor de roteiros para cinema. Pega-se uma obra de alguém, faz-se uma adaptação e pronto: virou filme. Não existe o escritor profissional para cinema. Pegar um livro e transformar em filme não é fácil e o resultado é quase sempre o mesmo comentário: gostei mais do livro.
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Pegar uma câmera e sair rodando pelo Morro do Macaco Molhado é fácil. Sempre a lente vai encontrar alguma coisa chocante para mostrar. Depois se edita, enxertam-se algumas cenas gravadas em locação interna e temos mais um filme brasileiro “com grandes possibilidades de indicação para o Oscar”. Mas isso a gente já via décadas atrás pela televisão, no Comando da Madrugada e é tema para uma vasta discussão que não cabe aqui.
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Na prática o que mais me incomoda mesmo é saber que no momento em que estaria assistindo Toni Ramos no cinema, ele está na Novela das 8 fazendo uma bobagem qualquer.
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Por questões de mercado de trabalho, a televisão tomou para si todos os grandes atores e atrizes do país. Até Paulo Autran sucumbiu. É estranha a sensação de ver no cinema o mesmo ator que está de 2ª a sábado em sua casa numa novela e aos domingos, no Faustão. Acho que eu não teria a mesma satisfação de assistir Al Pacino, por exemplo, se o visse diariamente fazendo séries bobas e inverossímeis anos seguidos na televisão.
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Mas, ganhei de presente o DVD do filme Bela Noite Para Voar. Sou apaixonado por aviação e por JK e então não me restou alternativa senão assistir o filme. Além do mais, era um presente. E um belo presente. Mesmo que eu várias vezes tenha confundido Mariana Ximenes “Princesa” com Mariana Ximenes “Lara” o filme de Zelito Miranda é extremamente competente, fugindo ao lugar comum dos roteiros de filmes nacionais.
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Longe de pretender ser uma biografia de Juscelino, Bela Noite Para Voar pega um episódio isolado da vida do ex-presidente e o mostra com a mesma competência dos filmes de ação que encontramos por aí. A sabotagem do avião, a descoberta do plano em andamento e como se evitou a tragédia. Tudo isso costurado pelas linhas fortes de uma história de amor, das muitas que JK deixou escritas por este Brasil afora.
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Uma trilha competente dá o clima exato que se pretende para a aventura relatada. Em pouco mais de uma hora a personalidade cativante de JK é mostrada em todas as suas facetas. O líder, o idealista, o progressista, o religioso, o conquistador, o incansável, o popular, o pai de família, o pensador; todos estão no filme, mostrados em seqüências às vezes curtas, porém sempre muito marcantes. A figura única de JK é mostrada com uma profundidade que as melhores biografias não alcançaram, mostrando toda a sua capacidade de fazer admiradores. Como diz o personagem que faz Jânio Quadros ao próprio JK avisaram-se que Vossa Excelência é um perigoso sedutor, mas pensei que se referissem somente às mulheres.
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Deus, entre outras graças, deu-me o desconhecer o medo, diz JK a certa altura do filme. Creio que Zelito Miranda poderia dizer o mesmo. Não teve qualquer receio em fazer um filme com cara de filme, fugindo do padrão “a vida de” ou “pisando na lama” que norteia o cinema nacional, em sua maioria. Não posso dizer que Zelito me fez mudar de opinião a respeito do cinema brasileiro. Mas com certeza deu-me o prazer inesperado de assistir um belo filme.