22 março, 2009

O Verão de '42.

Quando assisti pela primeira vez O Verão de 42 (Summer of ’42) fiquei fascinado pelo personagem Ermie, um adolescente sonhador, romântico, puro, ingênuo e sensível.
Para quem não viu o filme, Ermie e mais dois amigos estão passando o verão numa pequena cidade na costa da Flórida e em busca de suas primeiras experiências sexuais. Dos outros dois amigos, um é um garoto bem menor, completamente desajeitado, amedrontado e desconhecedor de qualquer vestígio ou possibilidade de relacionamento sexual. Pouco importante tanto na aventura quanto no roteiro.
O terceiro personagem é o Oscy. Esperto, cheio de malícia e esquemas para tentar a descoberta do mistério que os fascina e amedronta. Anda com uma camisinha no bolso para dar sorte.
Ermie apaixona-se por Dorothy, personagem de Jennifer O'Neill, uma belíssima mulher que vive sozinha numa casa espetada à beira de uma escarpa e de frente para o sempre mal humorado Atlântico Norte. Dorothy é casada com um soldado, que está na Europa em Guerra e acaba morrendo em combate, abrindo caminho para que Ermie realize seu sonho impossível. Em uma magistral cena cinematográfica, Dorothy arrasada e desnorteada com o telegrama recebido onde o Governo do Estados Unidos lamentava informar etc. acaba recebendo a inesperado visita de Ermie e entre lágrimas e uma carência abissal, faz sexo, amor e saudade ao mesmo tempo, com ele.
Na época, achei o Oscy um exemplo de insensibilidade e machismo, interessado apenas em dar um jeito de comer alguém, desprezando completamente sentimentos e atropelando emoções.
O tempo passou e agora encontro Summer of ’42 em DVD, abandonado numa locadora que liquida seu estoque. Compro e assisto de novo. E acho o Ermie um grande ingênuo, masoquista e sofredor, enquanto vejo no Oscy o sábio de toda a história. Se a intenção era descobrir o sexo, que isto tivesse sido feito e fim de papo.
Objetividade, sem envolvimentos desnecessários e emoções para arrastar pelo resto da vida. Freud aplaudiria de pé. Isto sim é que significa saber o que se quer da vida. Por isso ele rapidamente fatura a linda loirinha Miriam e experimenta o sexo até ficar trôpego, quase desfalecendo em plena areia de Malibu.
Como Ermie e Oscy não mudaram nada, visto serem personagens de ficção gravadas em 35 mm de celulóide, portanto mudei eu. Os mais críticos e sensíveis dirão que perdi a emoção, os valores acima do sexo e do descartável, aqueles só revelados pelo amor, pelo sentimento, pela entrega total.
Acho que não os perdi, mas tenho certeza de que os gastei bastante. Milhares de páginas de poemas lidos e escritos, de canções cantadas e choradas, quilômetros e mais quilômetros de terra, céu ou mar atravessados em busca de um par de olhos ou de um sorriso, incontáveis horas olhando o telefone e a caixa de correspondência parecem ter esgotado em grande parte as minhas possibilidades de ser –novamente- Ermie.
Porque junto com o amor vem o desamor, a tristeza, a dor de ver tudo se acabar, a certeza de que não é preciso tanto sofrimento para se saber capaz de amar. Como diz o velho Vinícius, é muito triste quando se vê tudo morrer e ainda existe o amor que mente para esconder que o amor presente não tem mais nada para dizer. Para continuar com o apoio da música brasileira, troco de disco e deixo o complemento para Chico Buarque, que diz hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito, exijo respeito, não sou mais um sonhador. Antes de amar qualquer pessoa é preciso que amemos a nós mesmo, caso contrário estaremos anulando qualquer possibilidade futura de querer bem.
Há um limite para o querer bem e este limite é que permite aos que o descobrem, seguir querendo. Parece um contra-senso, mas tem lógica. Se alguém abre mão de tudo por amor, estará abrindo mão de si próprio e portanto da própria validade de seus atos e sentimentos.
Oscy gostaria muito de ir para a cama com Dorothy, mas sabia que isto só seria possível pelo caminho do sofrimento e preferiu não abrir mão de nada, nem da alegria em suas férias e menos ainda se afastar do seu objetivo. Estava certo.
Se você pretende passar a sua vida no alto de uma montanha, não tem sentido se apaixonar por uma sereia. O amor não é cego nem mudo. Talvez nos deixe um pouco burros, mas ele sempre nos mostra claramente a possibilidade de sermos felizes ou não.
Daí em diante, é uma questão de auto-estima. Neste verão de 2009, fico com Oscy.

14 março, 2009

Carta Anônima

Escreves em vermelho, a cor da paixão ou quem sabe, da tragédia. Por isso, me refugio no Georgia, corpo 14, a fonte anônima de um computador cheio de recordações. Memória é apenas o hardware. A vida é software. Não há o que perdoar pelo tempo que se passou entre minha carta e a sua. A rampa do amor carece de dedicação e percebo que estás ladeira acima, embora com o freio de mão puxado, o que só faz tornar mais árdua e lenta a subida. esta altura você já percebeu que estou com ciúme. Sou assim. Possessivo, exclusivista, egoísta centralizador, insuportável. Ácido, mordaz, irônico, dominador, perigoso. Os diferentes são aqueles que fisicamente não se parecem conosco. Os semelhantes possuem o mesmo tom de pele, o mesmo olhar, a mesma velocidade. A mente e suas preferências costumam moldar o corpo. Por isso é fácil, quando se está atento, reconhecer quem gosta de cool jazz e quem é axé. Quem lê Manoel Puig e quem lê Caras. Quem faz do amor um bote salva-vidas e quem faz dele, o próprio mar. Estive procurando você em Montevidéo. A cidade parece uma cápsula, onde o tempo permanece perplexo. A qualquer instante um ônibus para o passado pode atravessar seu caminho e é preciso ter cuidado para não se perder entre espanhóis que ainda tentam dominar qualquer coisa, ouro sem brilho, bocas sem dentes, seios exagerados, cabelos negros como a definitiva noite que se espalha en Latino America. Soy loco por ti de amores. Capinam é um gênio. Não considero indispensável a compatibilidade total para que a vida se torne mais suave. O amor é um grande espelho, mas é quase nada. É feito de coisas voláteis, miudezas, indícios, possibilidades. Coisas que se enroscam com o elevador lotado, o sinal fechado, o despertador quebrado, o imposto territorial. Crie espaço; é fácil. Primeiro, deixe que toquem Fantasmão; não espere que ninguém se preocupe com a força centrífuga. Esqueça a luta armada, a bala perdida, Lula, o mensalão, Dilma Neves Serra (assim mesmo, sem vírgulas) e os grampos. Depois, faça sexo, o mais que puder; durma e acorde na hora certa; tome uma aspirina por dia; ria, ria muito. Se isto resolve alguma coisa? Não sei. Nunca consegui fazer nem a primeira parte. Por que estou com ciúmes de você ? Nunca ouvi tua voz, nunca senti o teu olhar, nunca minha mão tocou em teus cabelos, jamais escutamos juntos As Times Goes By. Somos até aqui, amigos virtuais e amigos costumam ficar felizes com a felicidade do outro. Acho que estou feliz por você ter encontrado alguém com quem possa flutuar. Mas estou com ciúme. É estranho. Eu sou estranho. Estou me sentindo cansado. Tenho trabalhado bastante, durmo muito pouco, não tenho férias há mais de 5 anos. Encontro muita dificuldade para relaxar. As coisas me deixam em eterno estado de vigília. Qualquer coisa. Até o lazer. Leio compulsivamente, como compulsivamente, olho para o aparelho de som e não me animo a escutar o que gosto. Por que toda a mídia nos ajuda a identificar situações de estresse e nunca nos diz como sair delas? Não gosto da medicina. Incomoda-me seu princípio de ter compromisso com os métodos e não com os resultados. Acho que pouco sabemos sobre a mecânica da vida. Muito menos os médicos, sempre às voltas com laboratórios. Por isso não os procuro. Lembro Drummond: “do lado esquerdo carrego os meus mortos, por isso ando meio de lado.” Acho que sei porque tenho ciúmes de você. Na verdade, não é bem ciúmes, naquele sentido físico de não querer que ninguém te toque. É uma espécie de frustração por não poder conviver com alguém com tantos paralelos de personalidade e cultura, sabendo que há alguém que pode fazer isso sempre que desejar. Talvez por nos acharmos raros, não no sentido vaidoso, mas no aspecto da configuração. Aí dá uma ponta desta coisa que chamo de ciúme. Já enchi sua paciência, imagino, falando deste assunto. Esqueça. Não vou viajar neste meio de ano. Tinha programado uma ida até Buenos Aires para pesquisar um pouco Borges e comprar alguns originais em espanhol, mas tive que refazer orçamentos atendendo a um pedido cordial de Obama e portanto, nada de viagens. No máximo uma esticada até Mar Grande. Mas vale a pena. A sensação de quase não ter dívidas é muito tranqüilizadora. Mesmo que custe 2 litros de café e 60 Camels by day. Sinto-me por vezes também hesitante diante do comportamento das pessoas e me pego pensando: não é possível que todas estas pessoas sejam obtusas e eu o único sensato. Tem que ser ao contrário. Elas é que estão sabendo viver e eu aqui detonando meus neurônios com bobagens como sentido da vida, origem de tudo, finalidade, por aí vai. Mas aí, entra uma loteria perigosíssima: se a nossa energia vital se restringir a este planeta, é claro que eles estão certos. Temos que viver da maneira mais confortável possível por aqui e tudo isto se torna perda de tempo. Mas, se a energia seguir seguindo? Ela precisa estar com um mínimo de purificação para ir adiante, senão jamais chegará ao núcleo central. Nesta segunda hipótese, nos estaremos certos. No filme Antes de Partir, Morgan Freeman e Jack Nicholson fazem dois portadores terminais de câncer. Morgan acredita em Deus e na vida eterna; Jack não. Em determinado momento do filme eles discutem sobre isso e Jack encerra a conversa dizendo: "Sabe qual é a vantagem que eu levo sobre você? Se eu estiver errado, eu saio ganhando." É uma verdade estranha, mas é uma verdade. Já te disse que coleciono sapos? Não os vivos, mas os de qualquer material inanimado. Tenho mais de 20 sapos espalhados em casa. Em cerâmica, pedra, vidro, metal, gesso etc. Tenho sapos de várias origens geográficas e de todas as formas. Um deles, oriental, deve ter sempre na boca uma moeda, o que segundo os orientais fará com que a fortuna esteja sempre presente. Outro, minúsculo, deve ser mantido sempre perto de dinheiro, pois fará com que este se multiplique. Nenhum entretanto existe que garanta qualquer tipo de sentimento. Por vezes me sinto um dos sapos. Mas, sapo mesmo, sem qualquer vocação para príncipe ou o menor vestígio de princesas pra me beijar. There’s no future in it, Eve; we never should begin’it, Eve. Certa vez perguntaram a Jorge Luis Borges qual o significado da frase “Ninguém o viu desembarcar na unânime noite”, que abre o seu magistral conto As Ruínas Circulares. O que seria a unânime noite? O período obscuro do peronismo ou a sangria dos governos militares? Quem seria o passageiro que desembarcava na noite? Algum herói? Um idealista? Meio surpreendido, Borges respondeu que a frase não significava rigorosamente nada. Ele apenas achara ser uma boa frase para começar um conto. É também, uma boa história para terminar uma carta.