19 abril, 2009

Full Moon

Surpreende-me a lucidez de certas pessoas diante do que as cerca. Não concordo com algumas das suas verdades, mas respeito profundamente o fato delas serem tão definidas e principalmente autenticas, embora passageiras. Não passageiras em função do tempo vivido nem do tempo por viver, mas porque é da natureza de quem se ocupa com a mecânica da vida ser dinâmico; já que ela própria, a vida, assim o é. A certeza de hoje será a dúvida de amanhã ou talvez o contrário.
Considerações sobre o bem e o mal, Borges, igualdade, conhecimento, sabedoria e outras coisas deste pântano que é o pensamento; me parece bom motivo para abrir debates imaginários. Discordar de Borges, das Escrituras, das letras de John Lennon da utilidade das pirâmides ou de qualquer outra coisa considerada definitiva, não é audácia. Certas pessoas buscam se ajustar ao mundo; outras procuram ajustar o mundo a sí. Portanto, deve-se às segundas qualquer progresso que acontece; caso contrário o mundo permaneceria inalterado indefinidamente. Concordamos portanto em discordar.
Deixemos de lado o céu e o inferno de Borges, já que todo mundo desenvolveu aquilo que chama de modo de ver e sentir o mundo em cima da vida concreta, real; enquanto Borges sobrevoava o terreno do desconhecido, do pós-morte e a visão católica de premio e castigo. Para muita gente a visão do mundo me parece exatamente o que ela própria é: ingênua, romantica e sonhadora. Nada mais belo entretanto que a ingenuidade, o romantismo e o sonho.
Discordamos a partir da possibilidade que se levanta, do bem e do mal serem faces de uma só moeda, na qual a cultura ocidental é o metal que as separa. Não falo do bem que existe em mim quando ajudo uma velhinha a atravessar a rua ou do mal que existe, também em mim, quando troco as etiquetas de preço no supermercado. Falo do Bem e do Mal maísculos. Não consigo ver Ghandi exterminando ingleses em câmaras de gás, nem consigo ver Hitler recebendo refugiados cubanos. Menos ainda, consigo vê-los sentados à mesma mesa, sequer para uma partida de gamão. O essencialmente bom e o essencialmente mau trilham caminhos diferentes em direções diferentes. Estão separados não por uma cultura ocidental, oriental (onde bem e mal também existem e o mau é punido impiedosamente), mediterrânea ou polar: estão separados naturalmente. Eles são anteriores às culturas e não o contrário. Antes que Moisés descesse do Monte Sinai para informar à humanidade que matar é pecado, alguns homens matavam e outros não. Depois que ele fez a sua performance, com aquelas pedras gravadas, raios, trovões e tudo mais; nada mudou. Bem e Mal continuaram existindo espontaneamente e incompatíveis. São moedas diferentes. Não dá para cambiar 6 Maus por 1,5 Bom ou 3 Bons por 12 Maus. Entendo porém, que mesmo vendo as coisas desta forma, surgem duas perguntas fundamentais. A primeira é: há que se conviver com as duas moedas por sermos simplesmente seres humanos ? A segunda é: há que se punir os maus e premiar os bons ? Para mim, ambas as respostas são um audacioso não. A convivência entre o bem e o mal plenos, é desnecessária e naturalmente inviável. São dois anjos de uma asa só, abraçados; mas cada um voando para um lado. Quanto à premiar ou punir, é incoerente e inútil; pois usamos um código para avaliar outro completamente diferente. Cada qual encontra sozinho e a seu modo, aquilo que considera ele próprio, o premio ou a punição. À menos que os seguidores da ética dos monges avaliassem apenas os monges, enquanto os que seguem a ética dos piratas avaliassem apenas os piratas. O que os levaria, involuntariamente, de volta a Borges. Que inclusive tem uma imagem muito bonita para descrever a natureza humana. Ele diz que ela é como um pássaro de quatro asas, que voa simultaneamente para o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste.
Sei que esta questão é inesgotável, por isso quero encerrar a discussão. Sou hoje uma pessoa em formação. Avaliando ainda a mim mesmo. Jogando coisas fora e tentando por novas em andamento. Não estou pessimista, não estou amargo, não estou cruel. Estou me reestruturando. Levo a vantagem da experiência adquirida e a desvantagem da perplexidade tardia. Cometi grandes enganos neste tempo e tive que identifica-los e me recuperar deles rapidamente. Quanto às minhas certezas, são barco e velas que mudam de rumo em meio à travessia. Navegar é impreciso, corrigir bruscamente a rota às vezes indispensável, mas é inquietante. Se a literatura não me fizer gente, que ao menos a vida, as marés e suas surpresas o façam.