08 novembro, 2007

Criatividade (2)

A pergunta permanece a mesma: o que é e o que não é criativo? Quem é criativo? As respostas também seguem sendo as mais variadas respostas possíveis. Comecei a postar neste blog que niguém lê, exemplos aleatórios de criatividade, pinçados de diversos períodos e áreas da atividade humana, tentando explicar "formas" diferentes de ser criativo. O primeiro exemplo foi o Band-Aid. O segundo sai da categoria "produtos"e entra na área do comportamento humano. Vamos lá. Um ótimo exemplo de criatividade remonta à nossa pré-história. Criativo foi o primeiro macaco que decidiu fazer sexo frontal, ao contrário do que era hábito nas cavernas e nas estepes da África, onde se acessava o sexo por trás e aleatoriamente. Ao criar o sexo frontal, aquele macaco estava disparando todo um processo de transformação social. Na nova posição ele identificava com segurança a sua parceira e se tudo corresse bem, ela passava a ser a preferida. Com isso surgia o conceito de casal, de fidelidade, em seguida o de família, com todas as suas implicações.Cuidar do filhote deixava de ser uma tarefa apenas da mãe, do grupo ou de ninguém. O pai tornava-se co-responsável pelo núcleo que formara. Assim, inverter comportamentos tradicionais é criativo. A modernidade existe graças a essa forma de criatividade. Henry Ford e sua linha de montagem, Einstein, The Beatles, Jane Joplins, Jimmy Hendrix e o movimento hippie, Paris 68, Bill Gates e tantos outros criaram exemplos de inversão de métodos, conceitos e sistemas que transformaram a sociedade. São os nossos macacos contemporâneos.

Eram os deuses publicitários ?

Revejo o filme Dom Juan de Marco com a mesma satisfação natural de quem o assiste pela primeira vez. Um filme inteligente que consegue manter o tempo todo aquele difícil e inquietante contraponto entre humor e melancolia. Aquela estranha sensação de sorrir com o coração apertado. A eliminação da fronteira entre o sonho e a realidade, fundindo paciente e psiquiatra numa única verdade que por sua vez não é resultado de nenhuma das duas que cada um imagina, me levou a imaginar que o personagem de Johnny Depp poderia tranqüilamente ser um publicitário à moda antiga, o tipo que ainda manda flores. Era assim que se faziam publicitários. Artistas plásticos, jornalistas, escritores inéditos, locutores, desenhistas, todos vítimas da grande tragédia que é o sucesso inacessível, acabavam aprendendo a transformar camisas, lojas de eletrodomésticos e automóveis em mantos, castelos e carruagens. Depois podiam sair por aí proclamando, ao estilo do personagem do filme, “Eu sou Dom Juan de Marco, o maior publicitário do mundo, já ganhei mais de mil prêmios e não tenho mais razões para viver”. Assim muitos publicitários surgidos nesta fase empírica acabaram por sentirem-se deuses de um Olimpo Mercadológico. Ou Dons Juans de ilusórias Doñas Anãs. Mas a tecnologia da comunicação e as leis naturais do mercado puseram um The End neste tempo alienado, romântico e também, quixotesco. Hoje um publicitário é um técnico com formação científica e acadêmica específica, trabalhando com base em pesquisas, estatísticas, análises socioeconômicas e projeções de mercado –entre outras ferramentas- para transformar camisas, lojas de eletrodomésticos e automóveis apenas em camisas, lojas de eletrodomésticos e automóveis indispensáveis. A tênue fronteira entre o sonho e a realidade continua sendo o campo de batalha, mas os soldados são mais críticos, sensatos, realistas, exatos. A consumidora sabe que não vai ficar tão bonita quanto Giselle Bündchen, mas pode ser convencida de que aquele sabonete trará benefícios à sua pele. O consumidor sabe que não irá disputar a Fórmula Indy, mas a bateria do Emerson pode livrá-lo de uma boa aporrinhação. A própria propaganda se incumbiu de um auto-policiamento saudável, preservando um mínimo de credibilidade para a atividade. Os publicitários sêniors se reciclaram compulsoriamente para enfrentar, não apenas a nova realidade de mercado, mas também toda uma geração de publicitários juniors, formados já com esta nova conceituação. Claro que na terra do axé e da felicidade, os Dons Juans de Marco da propaganda continuam sobrevivendo numa boa. Até porque com 854 bandas de pagode, reagee ou axé-music (music?), seis meses de férias por ano, carnaval de noventa dias e vastos feriadões para descansar de tudo isso, ninguém leva a sério sinais de trânsito ou hora marcada. Quanto mais publicitário com formação tecnológica. Resta, para quem faz parte deste mundo complexo que é a propaganda, a certeza de que mais dia menos dia, a verdade estará esperando por nós, numa esquina ou numa praia de uma ilha deserta. Como no filme. Neste momento teremos a certeza de que conseguimos avançar um pouco -em slow motion- em direção a nós mesmos. Com a voz de Marlon Brando perguntando em off: “Porque não?”. Como no filme.