28 fevereiro, 2010

MARX, A IDIOTIA RURAL E A MATRIX

Neste carnaval passei alguns dias no interior da Bahia, atracado com um note book e um modem externo 3G. De repente me senti meio bobo, questionando se a globalização é mesmo um fenômeno mundial ou apenas uma commoditie de alguns. O ambiente e a estética rurais guardam distância daquilo que no resto do mundo é considerado atualidade, vanguarda ou media fashion. São costumes enraizados, preservados culturalmente e que o acesso em real time a outras culturas em nada alterou. Em Jequié, num calor de 38° à noite, a cordialidade de quem me hospedava incluiu uma sopa bem quente antes do jantar. São hábitos que atravessaram gerações, tecnologias e hábitos, impassíveis às transformações. Mais tarde, sentado na praça para um sorvete, cercado de dezenas de pessoas em outras mesas, não ouvi um único toque de celular. As vitrines exibem modelos prontos para saírem dali rumo a um baile dançante. Em Ilhéus, a coordenação entre carros, bicicletas e pedestres no meio das ruas confirma a teoria dos equilíbrios não-cooperativos, conhecida como o Equilíbrio de Nash. O desfile de crianças saindo das padarias às 6 da tarde, carregando saquinhos de papel com os pães quentes é sagrado. A namorada na porta de casa, desde as 5 da tarde esperando o namorado, é infalível. Assim como o irmão pequeno antes das 10 da noite para acabar a alegria dos dois. Claro que nas casas a televisão está ligada. Dentro delas a Rede Globo mostra em seu merchandising das novelas e nos comerciais o que há de mais recente em moda, decoração, veículos, produtos de consumo por impulso e liberdade sexual, mas aquilo é ficção, é uma realidade que não afeta o comportamento das pessoas depois que o aparelho é desligado. A comunicação publicitária usa o carro de som, as faixas, as bicicletas sonorizadas, os cartazetes colados em postes. As rádios se dedicam aos problemas da cidade e à política. Os spots e jingles são uma extensão da linguagem das ruas, incluindo muitas vezes a voz do dono e anunciante. O distanciamento voluntário dos habitantes do interior dos hábitos dos trituradores de gente que são as metrópoles, não me parece o que Marx classificou de "idiotia rural". Assemelha-se a uma preservação espontânea de valores que lhes garantem uma vida mais suave. É uma opção. Eles sabem que através da internet podem ficar informados do que acontece ao redor do mundo. Mas não querem. Globalizados somos eu e você que usamos a informação como moeda ou ferramenta de trabalho. Globalizados são os executivos que fazem suas reuniões on line, distantes uns dos outros milhares de quilômetros. Globalizadas são as multinacionais que sabem a variação do salário mínimo em Tijuana para manter a empresa no positivo. Globalizados são jornalistas, políticos, publicitários, chairmans e outros sérios candidatos a um enfarto ou uma crise de estresse. A globalização chega até o interior. A própria parabólica foi um dos primeiros recursos utilizados na construção da aldeia global. A diferença é que isso chega até eles sem ocupar espaço em suas idéias e muito menos em seus projetos. Não faz parte das metas de consumo. Se eu e você nos sentimos inseguros sem um pen drive no bolso, eles querem saber se a carne do sol do mercado está macia. A globalização leva um tênis Nike a um garoto que mora em Uruçuca, mas só está presente como tarefa cotidiana na vida de poucos. A "idiotia rural" de Marx é na verdade um bucolismo indestrutível de gente que não vê muito sentido em encher a cabeça de informações além daquelas que lhes permitem desfrutar a convivência da família, dos filhos, dos amigos, dos conhecidos, da natureza, da vida enfim.




23 fevereiro, 2010

SEXTA DA PAIXÃO

Sempre tive curiosidade de saber quem é que determinava a data do Carnaval. Desde criança que imaginava alguém decidindo isso em função de sua maior ou menor disposição no início do ano. Depois, soube que não era bem assim. O Carnaval era marcado para ser exatamente 40 dias antes da 6ª Feira da Paixão, definindo um período que a religião católica chama de Quaresma. Estava portanto, transferida a minha dúvida. A pergunta passa a ser: quem determina a 6ª Feira da Paixão ?

Embora nunca chegasse a me tirar o sono, a cada ano a dúvida piscava para mim. Até que recentemente descobri tudo. A 6ª Feira da Paixão é sempre a mais próxima da primeira Lua Cheia da primavera no hemisfério norte. Nosso outono cá embaixo do Equador. Bonito demais. Quando Jesus aborreceu os romanos até o limite deles e terminou pendurado numa cruz; era uma sexta-feira, início da primavera e havia uma Lua Cheia nos céus de Jerusalém.

Essa foi a referencia que atravessou dois mil anos servindo para marcar tantas datas que afetam a vida da gente ainda hoje, quando os romanos já não estão nem aí para Jerusalém e veneram o manto em que o corpo do executado foi envolvido. Além de bela, a história contém um outro ensinamento: tudo na vida tem uma explicação. Se você não consegue entender porque sua namorada terminou tudo porque você mudou o corte de cabelo, pode ter certeza de que há uma explicação. Se aquele seu colega de trabalho que dedica todas as horas vagas a jogar dominó e passa as tardes de domingo a assistir Sílvio Santos (de cueca e comendo pizza gelada do jantar de sábado), foi promovido a seu Diretor Administrativo, alguma explicação existe para isto.

Na vida, sempre há uma explicação para qualquer coisa. Por mais esquisito que pareça ser um fato ou um gesto, por trás dele há uma engrenagem complexa, que se move as vezes lenta e longa, as vezes rápida e curta, para fazer com que tal coisa tenha acontecido.

Faço todas estas voltas para dizer que credito tudo que nos acontece, a nós mesmos, como resultado de uma engrenagem que montamos desprevenidamente ao longo de nossas vidas. A pedra que você atirou na vidraça de alguém quando tinha seis anos, pode ter provocado estes estilhaços de vidro que caem sobre a sua cabeça hoje, quando os cabelos já se foram e a memória também.

Uma engrenagem de atos movidos pela ética, coerência, justiça e solidariedade, mesmo praticados sem qualquer consciência ou intenção, vai seguir produzindo ética, coerência, justiça e solidariedade.

CADEIA PRA QUEM NÃO ROUBA

Leio na primeira página de um destes jornais que diariamente nos enchem de tédio, tristeza e incredulidade, a notícia de um empresário de Goiania que foi condenado pela justiça por falsificação de notas fiscais e desvio de dinheiro. Até aí, tudo bem. Mas, adiante a notícia é surpreendente: “...o empresário e jornalista M.L.O. foi condenado a quatro anos de cadeia. Ele cumprirá a pena em liberdade.”

Custo a acreditar, mas está lá assim mesmo. Cumprirá a pena em liberdade. Chegamos então a um ponto inédito da ordem social no Brasil, deduzo. Para a recuperação de um criminoso, o sistema está tão perfeito que não é necessário sequer botar o sujeito no xadrez. Em liberdade mesmo ele “cumpre a pena” e está livre. Talvez nem seja só isso, seja ainda, mais amplamente, a coroação de uma nova moral. Talvez o próximo passo seja enfiar na cadeia todo mundo que não foi condenado por nada.

O que é compreensível, num país onde o crime passou a ser diploma de inteligência e poder. Lampião e Pareja sabiam muito bem disso, adorados que foram pelo povo, estes incompetentes que jamais conseguiram cometer um crime. Cadeia pra eles, o povo, claro. Onde já se viu num país de criminosos, alguém querer andar certinho, pagar em dia, emitir notas fiscais verdadeiras e entregar o dinheiro a quem de direito? É crime. Crime contra a ordem pública.

Nunca esta expressão esteve tão coerente com a realidade. Se a ordem pública é o crime, cadeia para quem está fora da ordem, para quem é honesto, ora pois. Nada mais lógico. Se se rouba no peso, no preço, no prazo, na qualidade, na validade de tudo que é vendido; se se rouba na competência, no orçamento, na execução e na eficiência de todo serviço prestado; se se rouba a canetadas do patrimônio público municipal, estadual, federal e internacional; se se rouba à bala do patrimônio privado pessoa física e jurídica; numa prática conjunta, cotidiana, continuada, coletiva e completa; quem fica fora disto evidentemente quer prejudicar o jogo. Cadeia com eles.

Os prejuízos causados por estes honestos inoportunos são incalculáveis. O país custou a se recuperou do estrago provocado por aqueles três ou quatro gatos pingados que se recusaram a participar (ou não foram admitidos) da República das Alagoas e puxaram um cordão que acabou derrubando o alucinado Fernando Collor. Quanto custou para a ordem do crime reorganizar-se, rearticular-se, substituir nomes, bancos no exterior, sistemas de roubo, enfim, toda uma tecnologia desenvolvida e que funcionava perfeitamente? Reciclar a maravilhosa engrenagem das contas fantasmas, única contribuição concreta da economia para o progresso nas últimas décadas, custou. Custou muito sacrifício e muito tempo perdido.

Se aquela secretária, aquele motorista, aquele irmão e outros irresponsáveis tivessem sido encarcerados logo no início em julgamento sumário, nada daquilo teria acontecido e hoje certamente estaríamos mais adiantados, quem sabe à frente da Alemanha. Fernando Collor já teria privatizado até a Casa da Moeda, que poderia assim vender notas de 50 por quanto bem entendesse, sem este atual tabelamento ridículo. Várias casas da moeda competindo no mercado, em economia aberta, cada qual imprimindo os cruzeiros ou cruzados mais bonitos e mais baratos que pudessem e vendendo-os por preços mais baixos que os atuais do Governo. Entretanto, presunçosos e perigosamente em liberdade, aqueles elementos marginais emperraram por alguns anos o avanço do sistema social brasileiro. Como se honestidade levasse a algum progresso. Agora prendem Arruda, denunciam que Zé Dirceu continua levando o seu honesto "por fora" como se isso fosse um crime. Logo irão querer uma CPI para investigar quem investigou o Mensalão e desmontou outra engrenagem construída com muito sacrifício e desafios.

Mas a gente chega lá. O exemplo de M.L.O. que acaba de garantir a liberdade por seus crimes, nos enche de esperança. Cadeia para quem não rouba e nem deixa roubar. E salvem o lindo pendão verde da esperança, salve o dólar, símbolo augusto da paz.

21 fevereiro, 2010

UM TAXI PARA O ALBANY

Começava naquela tarde de 1º de janeiro de 1940 uma relação que George Wesley jamais saberia definir. E isso não é bom. Quando o coração não consegue registrar que sentimentos passam por ele, a alma fica empoeirada, sem brilho ou cor exata. Estamos habituados a saber exatamente o que sentimos, ou então, a acharmos que sabemos ou até a não sentirmos nada. Não conseguimos entretanto conviver com o fato de sentir alguma coisa que não entendemos de forma clara. Como quando o sentimento começa a vagar numa zona de sombras, entre o desejo intenso e sempre satisfeito por alguém, a descoberta de prazeres que nunca se supôs um dia conseguir, uma incontida angústia ao esperar por outro, um inegável ciúme quando o outro não está por perto, um contentamento puro em conversar ouvindo suas histórias e seus problemas; tudo isto misturado com uma inexplicável vontade de que o outro vá embora tão logo acabem as longas jornadas de sexo, uma absoluta resistência a se apresentar ao lado do outro em lugares públicos, um impaciência crescente com o carinho e o cuidado do outro, tudo simultaneamente. LEIA O LIVRO. Acesse www.clubedeautores.com.br e digite Marco Gavazza ou Gavazza na busca por autor.