07 dezembro, 2008

Cadeia neles.

Leio na primeira página de um destes jornais que diariamente nos enchem de tédio, tristeza e incredulidade, a notícia de um empresário que foi condenado pela justiça por falsificação de notas fiscais e desvio de dinheiro. Até aí, tudo bem, isso é normal. Mais adiante a notícia é surpreendente: “...o empresário e jornalista M.L.O. foi condenado a quatro anos de cadeia. Ele cumprirá a pena em liberdade.” Custo a acreditar, mas está lá assim mesmo. Cumprirá a pena em liberdade. Chegamos então a um ponto inédito da ordem social no Brasil, deduzo. Para a recuperação de um criminoso, o sistema está tão perfeito que não é necessário sequer botar o sujeito no xadrez. Em liberdade mesmo ele “cumpre a pena” e está resolvido. Talvez nem seja só isso, talvez estejamos assistindo ao vivo a coroação de uma nova moral. O próximo passo deverá ser enfiar na cadeia todo mundo que não foi condenado por nada. O que é compreensível num país onde o crime passou a ser diploma de inteligência e poder. Lampião, Escadinha, Leonardo Pareja, Fernandinho Beira Mar e tantos sabiam muito bem disso, invejados que foram pelo povo, estes incompetentes que jamais conseguiram cometer um crime importante. Cadeia pra eles, o povo, claro. Onde já se viu num país de criminosos, alguém querer andar certinho, pagar em dia, emitir notas fiscais verdadeiras e entregar dinheiro a quem de direito? É crime contra a ordem pública. Nunca esta expressão esteve tão coerente com a realidade. Se a ordem pública é o crime, cadeia para quem está fora da ordem, para quem é honesto. Nada mais lógico. Quando é normal roubar no peso, no preço, no prazo, nos juros, na qualidade, na validade de tudo que é vendido; roubar na competência, no orçamento, no valor, na execução e na eficiência de todo serviço prestado; roubar a impiedosas canetadas o patrimônio público municipal, estadual e federal; roubar à bala o patrimônio privado ou a própria vida de quem tem alguma coisa; roubar até o pensamento e as idéias de outros e vencer concorrências milionárias; quando tudo isso vira uma prática conjunta, cotidiana, continuada, coletiva e completa; quem fica fora deste sistema evidentemente quer prejudicar o país. Cadeia com eles. Os prejuízos causados pelos honestos são incalculáveis. O país ainda não se recuperou do estrago provocado por aqueles se recusaram a participar (ou não foram admitidos) da República das Alagoas e puxaram um cordão que acabou derrubando o alucinado Fernando Collor. Quanto custou para a gestão do crime reorganizar-se, rearticular-se, substituir nomes, bancos no exterior, sistemas de roubo, enfim, toda uma tecnologia já desenvolvida e que funcionava perfeitamente ? Reciclar a maravilhosa engrenagem das contas fantasmas, uma contribuição concreta da economia para o progresso nas últimas décadas, custou. Custou muito sacrifício e muito tempo perdido. Se a secretária e o irmão de Collor, ensandecido de ciúmes, tivessem sido encarcerados logo no início em julgamento sumário nada daquilo teria acontecido e hoje certamente estaríamos mais adiantados quem sabe à frente da China. Collor já teria privatizado até a Casa da Moeda que poderia vender notas de 50 por quanto bem entendesse. Todos nós sabemos que uma nota de 50 não vale nem 20. Várias casas da moeda poderiam estar competindo no mercado em economia aberta, cada qual imprimindo reais mais bonitos e mais baratos e vendendo-os por preços mais baixos que os atuais do Governo. Quando finalmente a máquina voltou a funcionar -apesar de diversas tentativas ao longo deste tempo de impedir a organização do crime- aparece a imprensa e abre a caixa preta de Marcos Valério, revelando mensalões, cuecas dolarizadas e outros avanços gerenciais. Novo atraso rumo ao funcionamento ideal. Sem isso a folha de pagamento de Marcos Valério já poderia incluir até um parente nosso, quem sabe. Agora, em pleno processo de recuperação de sua situação de estabilidade, novo ataque dos honestos. Querem prender Daniel Dantas porque ele não se contentou em ser assinante da Oi ou da Vivo e pagar uma fortuna todo mês por um celular que não funciona. Ele se ofereceu em holocausto para controlar o sistema sozinho. Entretanto, presunçosos e perigosamente em liberdade, os elementos honestos mais uma vez emperraram por diversos anos o avanço do sistema social brasileiro. Quem sabe quando a corrupção estará ao alcance de todos, sem os eternos denuncistas de plantão? Mas a gente chega lá. O exemplo de M.L.O. que acaba de garantir a liberdade por seus crimes, nos enche de esperança. Cadeia para quem não rouba e nem deixa roubar. E salvemos o lindo pendão verde da esperança, salvemos o dólar, símbolo augusto da paz.

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