23 fevereiro, 2010

CADEIA PRA QUEM NÃO ROUBA

Leio na primeira página de um destes jornais que diariamente nos enchem de tédio, tristeza e incredulidade, a notícia de um empresário de Goiania que foi condenado pela justiça por falsificação de notas fiscais e desvio de dinheiro. Até aí, tudo bem. Mas, adiante a notícia é surpreendente: “...o empresário e jornalista M.L.O. foi condenado a quatro anos de cadeia. Ele cumprirá a pena em liberdade.”

Custo a acreditar, mas está lá assim mesmo. Cumprirá a pena em liberdade. Chegamos então a um ponto inédito da ordem social no Brasil, deduzo. Para a recuperação de um criminoso, o sistema está tão perfeito que não é necessário sequer botar o sujeito no xadrez. Em liberdade mesmo ele “cumpre a pena” e está livre. Talvez nem seja só isso, seja ainda, mais amplamente, a coroação de uma nova moral. Talvez o próximo passo seja enfiar na cadeia todo mundo que não foi condenado por nada.

O que é compreensível, num país onde o crime passou a ser diploma de inteligência e poder. Lampião e Pareja sabiam muito bem disso, adorados que foram pelo povo, estes incompetentes que jamais conseguiram cometer um crime. Cadeia pra eles, o povo, claro. Onde já se viu num país de criminosos, alguém querer andar certinho, pagar em dia, emitir notas fiscais verdadeiras e entregar o dinheiro a quem de direito? É crime. Crime contra a ordem pública.

Nunca esta expressão esteve tão coerente com a realidade. Se a ordem pública é o crime, cadeia para quem está fora da ordem, para quem é honesto, ora pois. Nada mais lógico. Se se rouba no peso, no preço, no prazo, na qualidade, na validade de tudo que é vendido; se se rouba na competência, no orçamento, na execução e na eficiência de todo serviço prestado; se se rouba a canetadas do patrimônio público municipal, estadual, federal e internacional; se se rouba à bala do patrimônio privado pessoa física e jurídica; numa prática conjunta, cotidiana, continuada, coletiva e completa; quem fica fora disto evidentemente quer prejudicar o jogo. Cadeia com eles.

Os prejuízos causados por estes honestos inoportunos são incalculáveis. O país custou a se recuperou do estrago provocado por aqueles três ou quatro gatos pingados que se recusaram a participar (ou não foram admitidos) da República das Alagoas e puxaram um cordão que acabou derrubando o alucinado Fernando Collor. Quanto custou para a ordem do crime reorganizar-se, rearticular-se, substituir nomes, bancos no exterior, sistemas de roubo, enfim, toda uma tecnologia desenvolvida e que funcionava perfeitamente? Reciclar a maravilhosa engrenagem das contas fantasmas, única contribuição concreta da economia para o progresso nas últimas décadas, custou. Custou muito sacrifício e muito tempo perdido.

Se aquela secretária, aquele motorista, aquele irmão e outros irresponsáveis tivessem sido encarcerados logo no início em julgamento sumário, nada daquilo teria acontecido e hoje certamente estaríamos mais adiantados, quem sabe à frente da Alemanha. Fernando Collor já teria privatizado até a Casa da Moeda, que poderia assim vender notas de 50 por quanto bem entendesse, sem este atual tabelamento ridículo. Várias casas da moeda competindo no mercado, em economia aberta, cada qual imprimindo os cruzeiros ou cruzados mais bonitos e mais baratos que pudessem e vendendo-os por preços mais baixos que os atuais do Governo. Entretanto, presunçosos e perigosamente em liberdade, aqueles elementos marginais emperraram por alguns anos o avanço do sistema social brasileiro. Como se honestidade levasse a algum progresso. Agora prendem Arruda, denunciam que Zé Dirceu continua levando o seu honesto "por fora" como se isso fosse um crime. Logo irão querer uma CPI para investigar quem investigou o Mensalão e desmontou outra engrenagem construída com muito sacrifício e desafios.

Mas a gente chega lá. O exemplo de M.L.O. que acaba de garantir a liberdade por seus crimes, nos enche de esperança. Cadeia para quem não rouba e nem deixa roubar. E salvem o lindo pendão verde da esperança, salve o dólar, símbolo augusto da paz.

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