20 outubro, 2008

Bons de bola e bunda.

Num país onde as oportunidades de crescimento pessoal são extremamente limitadas, especialmente para os jovens das classes sociais mais vulneráveis, o menino que sabe jogar bola e as meninas bonitinhas/gostosinhas vêem nestas condições, uma estrada que pode levá-los à fama, ao conforto; aos benefícios que os ricos das novelas exibem diariamente no horário nobre da tv. Acontece que por ironia, meninos que jogam bola legal e meninas gostosinhas, é o que não falta neste mesmo país. Daí, está armado um cenário no qual Shakespeare poderia deitar e rolar para elaborar suas tragédias amorosas. Porque meninos que batem um bolão ou meninas que detonam na configuração, queiram ou não queiram, são apenas e ainda, meninos e meninas. A mídia incentiva, estimula os sonhos, mostra os bola murcha e os bola cheia, revela as curvas monumentais de criaturas desconhecidas. E eles e elas, continuam sendo meninos e meninas. Assim, quando uma menina de arrasar quarteirões faz essa demolição em quarteirões suburbanos, está na verdade e quase sempre, à espera de uma oportunidade qualquer, uma acaso que a leve ao banco do carona de um cara que é amigo de alguém que tem um parente na Globo e quem sabe pode levar um papo com ela. Enquanto este carro e esta possibilidade -ambos remotos- não chegam, elas seguem nas salas de aulas, nos pagodes do fim de semana, nas calçadas do bairro, mexendo com o sentimento de meninos que não jogam bola tão bem a ponto de só pensarem nisso. Meninos que acreditam ser possível arrumar um empreguinho, uma mulher bonita que cuide da casa e dos filhos e serem felizes para sempre. Eles ainda existem, sim. A estes, a gostosinha que espera seu momento BBB representa um perigo fatal. A razão lhe diz que não é por ali, mas os hormônios e a herança do macho reprodutor forçam a barra e lá vai ele atrás da futura capa da VIP. Dançou. Porque ela não quer nem saber de empreguinho, nem de casamento, muito menos de crianças chorando e fazendo xixi nos lugares mais inaceitáveis. Meninos e meninas continuando a ser, ela faz o joguinho de manter a auto-estima 100% preenchida e ele acredita naquele afago a cada três meses como uma visão do paraíso. Até que um dia a coisa explode. E quando explode, sobra para todos os envolvidos, como aconteceu em Santo André. Inclusive para os meninos que vestem uma farda e acreditam seriamente serem da SWAT. Quem não é mais menino nem menina, como eu e você, fica chocado e começa a procurar um culpado. É difícil de achar. Teríamos que ir buscar as raízes de tudo isso muito lá atrás, desde a escravidão, passando pela miscigenação, pela seqüência Monarquia - República - Ditadura -Nova República - Ditadura II- Nova República II e tudo que isso implicou, especialmente em relação à educação de meninos e meninas, aos novos formatos de família e ao relacionamento entre pais e filhos; resultante do lar-dormitório, onde pai, mãe e agregados apenas dormem –às vezes nem isso- para continuar o dia seguinte no mercado de trabalho, na batalha para sobreviver mais um mês. Em seguida, precisaríamos destilar o biótipo do brasileiro que emerge de tudo isso e deixa-lo exposto às revoluções mundiais de costumes que aconteceram depois, avaliando os efeitos da assimilação dos mimos do primeiro mundo descobertos via globalização. É dificílimo. Shakespeare talvez perdesse o fio da meada. Afinal, a tragédia resultante de um romance proibido pela rivalidade entre famílias é muito mais normal. Difícil é compreender as tragédias geradas pela rivalidade entre um país chamado Brasil e um povo chamado brasileiro.

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