05 agosto, 2009

Sem Medo de Voar

Não posso abrir este texto de outra forma senão citando Juscelino Kubitscheck, o mais simpático e respeitado ex-presidente que este país já teve. Volto atrás sim. Não tenho compromisso com o erro.
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Por diversos motivos não tenho os filmes nacionais entre as minhas preferências de cinema. Um deles é que os temas do nosso cinema ou são biográficos ou então sempre giram em torno de favelas, presídios, meninos de rua, drogas, prostituição e similares, formando um vasto dejá vu. Isso porque o Brasil não tem escritor de roteiros para cinema. Pega-se uma obra de alguém, faz-se uma adaptação e pronto: virou filme. Não existe o escritor profissional para cinema. Pegar um livro e transformar em filme não é fácil e o resultado é quase sempre o mesmo comentário: gostei mais do livro.
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Pegar uma câmera e sair rodando pelo Morro do Macaco Molhado é fácil. Sempre a lente vai encontrar alguma coisa chocante para mostrar. Depois se edita, enxertam-se algumas cenas gravadas em locação interna e temos mais um filme brasileiro “com grandes possibilidades de indicação para o Oscar”. Mas isso a gente já via décadas atrás pela televisão, no Comando da Madrugada e é tema para uma vasta discussão que não cabe aqui.
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Na prática o que mais me incomoda mesmo é saber que no momento em que estaria assistindo Toni Ramos no cinema, ele está na Novela das 8 fazendo uma bobagem qualquer.
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Por questões de mercado de trabalho, a televisão tomou para si todos os grandes atores e atrizes do país. Até Paulo Autran sucumbiu. É estranha a sensação de ver no cinema o mesmo ator que está de 2ª a sábado em sua casa numa novela e aos domingos, no Faustão. Acho que eu não teria a mesma satisfação de assistir Al Pacino, por exemplo, se o visse diariamente fazendo séries bobas e inverossímeis anos seguidos na televisão.
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Mas, ganhei de presente o DVD do filme Bela Noite Para Voar. Sou apaixonado por aviação e por JK e então não me restou alternativa senão assistir o filme. Além do mais, era um presente. E um belo presente. Mesmo que eu várias vezes tenha confundido Mariana Ximenes “Princesa” com Mariana Ximenes “Lara” o filme de Zelito Miranda é extremamente competente, fugindo ao lugar comum dos roteiros de filmes nacionais.
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Longe de pretender ser uma biografia de Juscelino, Bela Noite Para Voar pega um episódio isolado da vida do ex-presidente e o mostra com a mesma competência dos filmes de ação que encontramos por aí. A sabotagem do avião, a descoberta do plano em andamento e como se evitou a tragédia. Tudo isso costurado pelas linhas fortes de uma história de amor, das muitas que JK deixou escritas por este Brasil afora.
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Uma trilha competente dá o clima exato que se pretende para a aventura relatada. Em pouco mais de uma hora a personalidade cativante de JK é mostrada em todas as suas facetas. O líder, o idealista, o progressista, o religioso, o conquistador, o incansável, o popular, o pai de família, o pensador; todos estão no filme, mostrados em seqüências às vezes curtas, porém sempre muito marcantes. A figura única de JK é mostrada com uma profundidade que as melhores biografias não alcançaram, mostrando toda a sua capacidade de fazer admiradores. Como diz o personagem que faz Jânio Quadros ao próprio JK avisaram-se que Vossa Excelência é um perigoso sedutor, mas pensei que se referissem somente às mulheres.
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Deus, entre outras graças, deu-me o desconhecer o medo, diz JK a certa altura do filme. Creio que Zelito Miranda poderia dizer o mesmo. Não teve qualquer receio em fazer um filme com cara de filme, fugindo do padrão “a vida de” ou “pisando na lama” que norteia o cinema nacional, em sua maioria. Não posso dizer que Zelito me fez mudar de opinião a respeito do cinema brasileiro. Mas com certeza deu-me o prazer inesperado de assistir um belo filme.